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Pandemia causa mudanças na produção de lixo no Brasil

 Por Marina da Silva e Samara Florêncio.

A pandemia do Covid-19, junto às medidas de quarentena, gerou o aumento do delivery e compras pela “internet”, fatores que influenciaram o crescimento do lixo doméstico. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), estima-se que o lixo residencial cresça cerca de 15% a 25% no país em 2020.

 

Caçamba de lixo em Campo Limpo, Zona Sul – SP Foto/produção: Samara Florêncio.

 

Ainda segundo a ABRELPE e a Associação Internacional de Resíduos Sólidos no Brasil (ISWA), em abril a produção de lixo diminuiu 7,25%, taxa que prevalece pelos meses de maio e junho, período em que os centros de coleta voltam a funcionar depois da suspensão no início da pandemia, em março.

Este ano São Paulo produziu mais de 46 mil toneladas de lixo reciclável, desde março a setembro, cerca de 10 mil toneladas a mais comparando com o período homólogo. Segundo o vereador da Câmara Municipal de São Paulo, Gilberto Natalini, a pandemia educou mais as pessoas, "As compras de produtos pela internet são ricas em embalagens, isso influenciou o consumidor a juntar as embalagens e colocar na reciclagem" afirmou Natalini. De acordo com a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (AMLUB), o lixo reciclável aumentou cerca de 35% em junho, em comparação ao ano passado. O parlamentar ainda diz que as pessoas devem diminuir o consumo exagerado, e separar o lixo orgânico do seco, uma vez que a maioria dos brasileiros descarta os resíduos orgânicos em lixões a céu aberto e aterros inadequados. Esta seria uma das suas soluções para melhorar o problema do lixo em São Paulo.

De acordo com o panorama dos resíduos sólidos 2018/2019, feito pela ABRELPE, em 2018 foram gerados 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos no Brasil, desse total, cerca de 92% foram coletados, isso significa uma pequena melhora em relação ao ano anterior, por volta de 1,66%. O Brasil é o país que produz mais lixo na América Latina, gerando 514 mil toneladas por dia em 2018, segundo a ONU Meio Ambiente, a estimativa para o ano de 2020 ainda não foi calculada.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos em 2012, determinou a extinção dos lixões em todo o país, porém com a suspensão dos centros de coleta em março, mais resíduos foram para lixões e aterros.

Para explicar melhor sobre este assunto, entrevistamos o advogado e especialista em direito ambiental, Fabricio Soler.

Foto: Fabrício Soler

Nome: Fabrício Soler

Profissão: Advogado ambientalista.

Repórter: Quais mudanças podemos observar na produção de lixo no Brasil, com a chegada da pandemia?

Entrevistado: “Aqueles que trabalhavam fora e passaram a estar em casa, estão cuidando mais do seu lixo, isso mudou bastante a percepção da geração do resíduo. Houve, na minha opinião, uma maior geração do resíduo domiciliar, porque a partir do momento que todos ficaram em casa, automaticamente tem uma maior geração desse resíduo. Além disso, práticas que são naturais, como separação de lixo, coleta seletiva passaram a ser mais visíveis, devido o risco da contaminação”.

Repórter: Quais os tipos de resíduos que mais cresceram devido à quarentena?

Entrevistado: “O resíduo sólido domiciliar, exatamente em virtude do distanciamento social, as pessoas acabaram cumprindo o isolamento nas residências, com isso a tendência é o crescimento. Teria um decréscimo dos resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço, que reduziram a operação, fecharam. Eu acredito que a indústria também teve uma queda temporária, que depois foi reestabelecida, com a manutenção das atividades que são essenciais. A partir de maio, junho, houve um reestabelecimento da indústria, mantendo ainda um pouco mais de vagareza, os resíduos de prestadores de serviços e estabelecimento comercial, mantendo uma alta geração dos resíduos domiciliares”.

Repórter: Já vimos várias entrevistas e conversas com suas falando sobre a importância da logística reversa, o advogado acredita que a pandemia deixou as empresas mais responsáveis sobre os resíduos que geram?

Entrevistado: “Eu acredito que sim, eu acho que quem gera resíduo não é a empresa, a empresa produz um produto que coloca no mercado, quem gera o resíduo somos nós, os consumidores. Então ao comprar produtos de limpeza, cosméticos, de higiene, alimentos, bebidas, quem consome somos nós, na qualidade de consumidores e, nós geramos esses resíduos. Temos que fazer a separação e a entrega no lugar correto. O que talvez falte agora, é um reforço das medidas, que viabilize a recuperação, me refiro a pontos de entrega voluntários e apoio a cooperativas que possibilitem uma adesão mais facilitada dos geradores e consumidores”.

Repórter: A Lei 17.471/20 do vereador Gilberto Natalini, referente à logística reversa, foi aprovada recentemente na Câmara Municipal de São Paulo, porém com dois vetos um, a respeito da punição e o outro sobre o tempo a ser colocada em prática. Como o senhor pensa que esta lei vai se tornar eficaz?

Entrevistado: “A primeira versão do projeto de lei do Natalini, é muito aderente a política nacional dos resíduos sólidos, a Lei 2.305/10 tinha muita adesão, coerência nas suas previsões. Eu entendo que o texto publicado se distancia um pouco do que está vigente, particularmente, acho que deixou a desejar. Apesar dela prever o prazo para 2023, já existem vários programas de logística que estão em curso na cidade de São Paulo, tem a logística reversa de óleo lubrificante, que funciona muito bem, de embalagens com as cooperativas que são apoiadas, de pilhas e baterias, que também funciona, mesmo sendo para 2023, já há um sistema de logística e operacionalização na cidade. E a questão da meta contradiz com lei a nacional, o problema é que não teve nenhum critério e referência de estudo específico para impor a meta. Eu acredito que ela não vai ter tanta eficácia como deveria, se fosse mais harmônica com a política nacional de resíduos e, de logística reversa que já existe”.

Repórter: O Brasil tem mais de três mil municípios com destinação inadequada de resíduos, desde 1981 os lixões deveriam ter sido abolidos, porém, este ano o prazo foi prorrogado para 2024, o senhor acredita que a pandemia foi um motivo para esse adiamento?

Entrevistado: “Não, o prazo foi prorrogado de dezembro de 2020 a 2024, dependendo do porte do município, devido ao marco legal do saneamento. Tem um pressuposto para considerar esse prazo estendido, o município deve ter o plano municipal de gestão integrada, e assegurar a sustentabilidade econômica e financeira do serviço. Além disso, cobrar taxa ou tarifa, nem que seja no âmbito do IPTU (imposto predial territorial urbano), mas cobrar dos cidadãos o recurso de investimentos em coletas, transporte, tratamento e disposição final. Ter mais de três mil municípios com lixões, decorre de uma ausência de cobrança do serviço, por consequência não investem, não aportam recurso para encaminhar para aterros sanitários. O fato de não ter até o momento disposição final totalmente adequada de todos os municípios, está relacionada não haver seguridade a sustentabilidade econômica-financeira, não está associado, portanto, a pandemia”.

Repórter: O código de defesa do consumidor exige que os consumidores tenham direito a serem informados adequadamente sobre os produtos que consomem. O senhor acredita que eles também deveriam ser informados sobre o descarte correto de seus resíduos?

Entrevistado: “Neste caso temos duas frentes de trabalho, uma é a educação ambiental, que é dever do município, estado e união, é necessário trabalhar com esse conceito para fins de resíduos e consumo sustentável, inclusive isso é possível com a Lei Federal de educação ambiental que temos. A outra frente é a informação, que deve ser disponibilizada pelo setor empresarial, para que os consumidores cumpram com a suas atribuições no âmbito da logística reversa. Acredito que hoje com websites, dados nos sistemas de logística, e informações disponíveis talvez possa haver um empenho maior em disponibilizar informações para os consumidores cumprirem com as suas atribuições.