Depressão e transtorno de ansiedade: a epidemia que se agravou com a pandemia
Yasmim Alves
A
quebra de rotina trazida pelo novo coronavírus colocou o mundo em tela de
suspensão. O barulho causado pelo número crescentes de mortes, o medo do
futuro, o luto inesperado e a introspecção colocaram em alerta a saúde mental
no mundo.
Na metade do mês de março, *¹Felipe, estudante de
psicologia, se encontrou desesperado ao se deparar com a nova realidade: o
isolamento social em decorrência de um vírus até então desconhecido. “Foi uma
sensação de desespero e angústia. O medo do desconhecido tirou meu sono, minha
vontade de realizar tarefas simples.”, contou. Felipe que era, desde 2019,
diagnosticado com depressão moderada, evoluiu para um estágio de depressão
grave após os fatores sociais que a pandemia do coronavírus trouxe a todos.
O estudante que até então possuía uma rotina
intensa na cidade de São Paulo, de ir à faculdade, trabalhar meio período e
construir seu TCC, de um dia para o outro teve sua vida completamente
paralisada: as aulas da faculdade foram suspensas, foi dispensado de seu
emprego e a data do TCC foi prorrogada.
Além disso, passou a acompanhar
membros de sua família acometidos pela nova doença que já ceifara milhares de
pessoas. Tudo isso, foi um agravante para a depressão já existente, e colaborou
para o desenvolvimento de transtorno de ansiedade generalizado.
De acordo com a Psicóloga clínica
Joyce Ramos, o transtorno de ansiedade generalizado tem a ver com o medo, e a
depressão, com a tristeza. “A ansiedade é derivada do medo. Um exemplo bem
claro, é que quando andando numa rua escura, um ladrão de pede o seu celular,
suas coisas, você sente medo. A ansiedade não precisa ter um ladrão na sua
frente, e nem estar numa rua escura. O medo vem de algo inexistente, que talvez
nem venha acontecer. A depressão, já é um tanto diferente, porque é associada à
tristeza associada à fatores sociais do indivíduo.”, disse em entrevista. A
realidade enfrentada por Felipe, é a mesma de milhares de pessoas no Brasil e
no mundo. Já no segundo bimestre de 2020, uma pesquisa feita em 23 estados pela
Associação Brasileira de Psiquiatria mostrou um agravamento da depressão e da
TAG (transtorno de ansiedade generalizado) em 89,2% dos pacientes já em
tratamento, e uma preliminar feita pelo Ministério Público com 17.000 pessoas,
mostrou uma nova incidência de transtorno de ansiedade em 86% dos
entrevistados. O medo do vírus desconhecido escancarou uma realidade desde
sempre existente: a saúde mental precária da população.
Depressão e transtorno de ansiedade
generalizada: o que são?
De acordo com a Organização Pan-Americana
de Saúde, depressão é um transtorno comum, mas sério, que atua diretamente na
capacidade de viver, afetando o sono, o apetite, o trabalho e a vontade de
viver. É causada por fatores genéticos, sociais, psicológicos e biológicos. A
depressão possui uma hereditariedade, mas também ocorre em pessoas sem
histórico familiar do transtorno. Os sintomas variam entre pessoas e a
gravidade, depende de sua condição específica. Segundo a psicóloga do CAPS de
presidente Jânio Quadros na Bahia, Andreia Aparecida, “os sintomas da TAG, são
caracterizados pela pessoa ter uma projeção negativa e catastrófica do futuro.
Esse pressentimento, de se sentir constantemente sem controle do futuro e
esperando o pior das situações, faz com que seja impossível se acalmar ou tranquilizar-se
no presente. Devido a esse pensamento, inicia-se um descontrole das distâncias
químicas no cérebro, desencadeando outros sintomas (corporais/físicos).”
Sintomas da depressão
- Apatia
- Sensação de tristeza extrema
- Perda de interesse e prazer na vida
- Distúrbios de sono
- Perda de apetite
- Desesperança, pessimismo, perda de
perspectiva do futuro
- Dores no corpo
- Pensamentos suicidas
Sintomas do transtorno de ansiedade
generalizada
- Taquicardia
- Enjoos gastrointestinais em
situações de nervosismo e estresse
- Crises de choro
- Preocupação constante
- Distúrbios de sono
- Medo irracional de coisas que não
aconteceram
"Muita
gente diz possuir ansiedade porque mexem a perna no nervosismo, mas isso não é
transtorno, ansiedade é algo da vida. Transtorno de ansiedade, é muito além,
existem muitos sintomas que evidenciam e só podem ser diagnosticados com o
profissional.”
- Psicóloga Joyce Ramos
Como enfrentar?
Segundo estudos feitos em Stanford,
as redes sociais possuem um aspecto agravante no quadro da depressão e da
ansiedade. A pandemia quando adicionada a essa equação já existente antes da
pandemia, e que agora está em evidência, provoca uma consequência desastrosa na
saúde mental da população.
Bons hábitos de saúde, como uma boa
alimentação, prática de esportes, sono regulado, hobbies e autocuidado, são
ações eficazes contra a depressão e o transtorno de ansiedade. “Para ilustrar,
vou usar a Escala de Beck*². Se de acordo com a escala, a pessoa for
diagnosticada com depressão moderada, e ela começa a praticar algum exercício
físico, se diminui 7 números nessa escala, e ela entra num grau de depressão
leve só por praticar um exercício físico”, afirma a psicóloga Joyce. Assim
como, também de acordo com a psicóloga, todos os tratamentos psiquiátricos e
terapias são ineficazes se há a ausência do autocuidado.
Os psicólogos entrevistados afirmaram
que a melhor atitude, é procurar ajuda assim que os sintomas começarem a
aparecer. “A depressão é um transtorno psicológico crônico, mas ela pode ser
controlada.
É algo que existe medicação, terapia,
estilo de vida saudável para que seja possível conviver bem com ela. O problema
é quando fingimos que a doença não está lá, e a jogamos para debaixo do tapete,
até que vira uma bola de neve, e torna mais difícil trabalhá-la e conviver com
ela. É muito melhor e mais fácil, quando os primeiros sintomas aparecerem, a
pessoa já procure ajuda, não esperar estourar. A TAG (Transtorno de Ansiedade
Generalizado), também tem aspecto crônico. Assim como a depressão, quando
manejada, a medicação pode até ser retirada, e a pessoa possuir qualidade de
vida, porque ela aprende a lidar e a entender como se sente.”, afirma a
psicóloga.
Como familiares e pessoas do convívio
de pacientes acometidos de tais doenças, a orientação da psicóloga é que tratem
com empatia: “Muitas vezes, o paciente que possui depressão ou a TAG, só quer
ouvir do outro “eu estou com você!” “Quer ir ao CAPS? Te dou uma força.” A
pessoa não busca uma solução mirabolante, milagrosa. Ela só busca alguém que
esteja como ser humano com ela ali.”
Nos CAPS, universidades que oferecem terapia
gratuita através de estudantes de psicologia.
Mais informações, no site:
https://www.psicologiahailtonyagiu.psc.br/esclarecendo/enderecos-uteis/449-atendimentos-psicologicos-gratuitos-ou-com-preco-simbolico-na-capital-de-sao-paulo
*¹ Felipe é um nome fictício
atribuído ao entrevistado, que não quis se identificar publicamente.
*²Escala de Beck: são compostas pelo
Inventário de Depressão (BDI), Inventário de Ansiedade (BAI), Escala de
Desesperança (BHS) e Escala de Ideação Suicida (BSI). O BDI mede a intensidade
da depressão, e o BAI, a intensidade da ansiedade. (fonte: https://www.sinopsyseditora.com.br/testes-psicologicos/escala-beck-bsi-invent-rio-beck-de-idea-o-suicida-pearson-casa-do-psicologo-256)
Saúde mental em frangalhos e a
pandemia do COVID-19, com Joyce Ramos.
Depressão e Transtorno de Ansiedade
Generalizado são problemas em profusão na nossa sociedade. Numa realidade em
que a saúde mental já se encontrava em frangalhos, um olhar profissional sobre
como lidar com ambas se fez necessário. Joyce Ramos é uma psicóloga formada
pela Universidade Paulista – UNIP, e na pandemia continuou seus atendimentos
clínicos online e fizemos 10 perguntas a ela.
1- Existe algum aspecto hereditário
nas doenças psicológicas?
J: Existe. Existem estudos recentes
da USP que falam sobre isso, porém para que efetivamente esses transtornos
psicológicos aconteçam, tem também os fatores ambientais e sociais. Tem a
hereditariedade, mas numa sociedade capitalista, onde pessoas são consideradas
máquinas de produtividade, e onde não há equidade social, é muito mais fácil de
se desenvolver esses transtornos.
2- Na sua opinião, como a pandemia
colaborou para o aumento dos casos de doenças psicológicas, como a depressão e
o transtorno de ansiedade?
J: A pandemia nos fez pausar um
pouco. A correria do dia a dia cessou, e tivemos que ficar com nós mesmos em
introspecção. Encontrar consigo é difícil, num mundo onde não temos tempo para
olhar para nós, é muito difícil e as pessoas não estão acostumadas com o
próprio silencio, não se conhecem, o que torna doloroso e incômodo. O silêncio
que a pandemia nos trouxe, evidenciou problemas que fingíamos que não existiam,
utilizávamos o sobrecarregamento do dia a dia para esconder, porque não sabemos
lidar com as nossas emoções pois não fomos ensinados a isso. Então, olhar para
dentro, é dolorido.
3- Quais são as diferenças pontuais
entre o transtorno de ansiedade e a depressão?
J: A ansiedade é derivada do medo. Um
exemplo bem claro, é que quando andando numa rua escura, um ladrão pede o seu
celular, suas coisas, você sente medo. A ansiedade não precisa ter um ladrão na
sua frente, e nem estar numa rua escura. O medo vem de algo inexistente, que
talvez nem venha acontecer. É um medo catastrófico e esse medo é paralisante,
porque vem de um medo inespecífico. A depressão, já é um tanto diferente,
porque é associada à tristeza. Para explicar, vou usar um exemplo: a ansiedade,
é quando você está com a perna dolorida porque você praticou alguma atividade
física, dolorida, mas mexendo. A depressão, é como se a perna tivesse sido
amputada, você não sente. A depressão é falta de energia, de interesse, apatia
quase total. Vale salientar que ambos possuem diversos sintomas, mas esses
utilizei para ilustrar, e ambos só podem ser diagnosticados com profissionais
da saúde. Muita gente diz possuir ansiedade porque mexem a perna no nervosismo,
mas isso não é transtorno, ansiedade é algo da vida. Transtorno de ansiedade, é
muito além, existem muitos sintomas que evidenciam e só podem ser
diagnosticados com um profissional.
4- Como é feito o diagnóstico da
depressão?
J: O diagnóstico da depressão requer
a presença de 5 ou mais sintomas. Eu, enquanto psicóloga, não dou diagnóstico
fechado. Existe um teste chamado Escala de Beck, e essa escala faz perguntas de
rotina para dar uma pontuação que classifica o grau de depressão, mas eu
aconselho também o acompanhamento no psiquiatra, uma equipe multidisciplinar
para olhar para a pessoa como um todo, porque depressão não é só a pessoa ficar
na cama o dia todo e não querer fazer nada, mas existem pessoas que fazem
diversas coisas e possuem depressão. Existe também a depressão orgânica, por
isso se faz necessário uma equipe multidisciplinar para o diagnóstico, o
paciente pode descobrir esse tipo de depressão através de exames de sangue e
acompanhamento psiquiátrico. Por exemplo: eu tenho um problema na tireoide que
se chama hipotireoidismo. Minha tireoide não produz hormônio suficiente para o
meu corpo. Até eu conseguir ter a dosagem correta desse hormônio, possuía todos
os sintomas de depressão, mas era uma questão orgânica, corporal. Se a pessoa
que possui depressão orgânica tomar antidepressivos, nunca vai adiantar, porque
ela precisa tratar a parte do corpo que causa deficiência de hormônios.
5- Quais são os sintomas específicos
da depressão?
J: Tristeza profunda, sentimento de
dor corporal, desencanto, desesperança, distúrbios de sono e apetite, apatia –
esses são os primeiros sintomas que vale ligar o alerta.
6- Você acha que as redes sociais têm um aspecto agravante no quadro de
depressão?
J: Alguns estudos dos Estados Unidos
apontam que sim. Um estudo realizado na universidade do Texas, mostra que
indivíduos que abandonaram as redes sociais estavam mais saudáveis e menos
deprimidos. Outro estudo na universidade de Stanford, onde fizeram um grupo
controle que continuava utilizando as redes sociais normalmente, e um outro que
parou de usar por um mês. Esse estudo de Stanford, mostrou que a melhora no bem
estar obtida pelo grupo que parou de utilizar as redes sociais, equivale a 25%
de uma terapia psicológica.
7- Você notou predominância em alguma
faixa etária em diagnósticos durante a pandemia?
J: Não. Eu trabalho com um público
jovem, de 16 a 30 anos, e não houve aumentos significativos de acordo com a
idade. Cada pessoa é única, as vezes quando classificamos “quem sofre mais, e
quem sofre menos”, não funciona. Acredito que desde crianças à idosos, foram
atingidas com a pandemia de alguma maneira, então não vejo possibilidade de
predominância.
8- Quais dicas de convivência você
daria às famílias que possuem membros acometidos dessas doenças, que
normalmente não sabem lidar com essa situação?
J: O mais importante, primeiro, é
cuidar de si para cuidar do outro. Depois, agir com qualquer pessoa que possui
algum transtorno psicológico, da maneira que gostaria de ser tratado, porque
depressão é uma doença como as outras. Ninguém fala para quem está com a perna
quebrada: tira esse gesso e anda que você vai conseguir!” então, vale a mesma
empatia com as doenças psicológicas. Muitas vezes, o paciente que possui
depressão, só quer ouvir do outro “eu estou com você!" "Quer ir ao
CAPS? Te dou uma força.” A pessoa não busca uma solução mirabolante, milagrosa.
Ela só busca alguém que esteja como ser humano com ela ali.
9- Existe alguma forma de prevenção
prática dessas doenças?
J: A forma de prevenção da ansiedade
e da depressão são muito parecidas. Para ilustrar, vou usar a Escala de Beck
novamente. Se de acordo com a escala, a pessoa for diagnosticada com depressão
moderada, e ela começa a praticar algum exercício físico, se diminui 7 números
nessa escala, e ela entra num grau de depressão leve só por praticar um
exercício físico. Praticar exercícios, dormir bem, se alimentar de maneira
saudável e bons hábitos de saúde em geral, possuir hobbies, ter momentos de
meditação, momentos consigo mesmo, fazer as coisas para si com intenção “eu
estou fazendo isso porque vai me fazer bem”, “preciso me alimentar porque vai
me fazer bem, pois é o único corpo que eu tenho”, ter essa intenção faz
diferença. Algo que ajuda também, é ter um caderno para registrar sentimentos.
Olhar mesmo para o que te faz mal e bem, registrar o que te
explode e como você pode contornar
essa situação, o que o outro me fala que me incomoda e por quê incomoda, tudo
isso para se descobrir como pessoa. Então eu não digo só terapia, pois terapia
é uma de diversas
coisas, então não posso resumir a
vida de todas as pessoas como “faz terapia que tudo vai ficar bem!”, porque se
a pessoa faz terapia e não olha para si, não se entende, não é eficaz.
10- Essas doenças podem chegar à um
aspecto crônico?
J: Sim. A depressão é um transtorno
psicológico crônico, mas ela pode ser controlada. Como eu disse, de moderada
para leve apenas com exercício físico. É algo que existe medicação, terapia,
estilo de vida saudável para que seja possível conviver bem com ela. O problema
é quando fingimos que a doença não está lá, e a jogamos para debaixo do tapete,
até que vira uma bola de neve, e torna mais difícil trabalhá-la e conviver com
ela. É muito melhor e mais fácil, quando os primeiros sintomas aparecerem, a
pessoa já procure ajuda, não esperar estourar. A TAG (Transtorno de Ansiedade
Generalizado), também tem aspecto crônico. Assim como a depressão, quando
manejada, a medicação pode até ser retirada, e a pessoa possuir qualidade de
vida, porque ela aprende a lidar e a entender como se sente.