Músicos independentes e pandemia
A carreira dos músicos independentes no Brasil já passava por diversas dificuldades e com a pandemia a situação foi fortemente impactada.
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(Facebook. Carlos Zardo Jr. Bass)
“Primeiro ponto que os músicos têm de
enfrentar, é a entrada no mercado da música, é muito difícil, sendo que a
remuneração é complicada. Com uma alta demanda de investimento, muitas vezes os
equipamentos são caros, a maioria deles chega a ser importado, sendo que as
casas de shows também passam por dificuldades financeiras. Ou seja, não
conseguem remunerar o músico de uma forma adequada. Conseguir se manter
sozinhos tendo uma boa visibilidade, e sobreviver apenas do meio artístico é
ter muita sorte, pensando que os shows só remuneram se tiver público, ele
precisa ser conhecido. Alguns conseguem tocar em lugares melhores, onde há um
bom cache por noite, tocam em bares, mas muitas vezes não recebem nem 100 reais
por noite, ou seja, eles não sobrevivem apenas da música, principalmente em uma
pandemia. É muito pequeno o percentual de músicos que conseguem viver apenas da
música, então acabei indo para outras áreas, buscando outros cursos como
administração financeira, um mercado mais tradicional, e que também me desse
uma boa renda mensal.
Para se entrar no meio artístico e preciso
ter uma alta demanda de investimentos, sendo que um jogo de cordas, sem ser uma
das melhores chega a custar na faixa de 150,00 a 300,00 reais, um amplificador
custando mais de três mil reais, também não podemos esquecer da questão do
transporte, pois não dá para transportar os equipamentos nas costas, só de cara
já vai um investimento de cinco mil reais. Alguns músicos tocam composições de
outros artistas, mas eles também têm seus processos criativos, onde muitos
deles vendem suas canções, ou também gastam dinheiro gravando, mesmo com a
tecnologia que evoluiu bastante e acaba ajudando, qualquer placa de interface
não sai menos de mil reais, sendo que para essa gravação e necessário vários
outros equipamentos.
Este mercado é como futebol, onde a minoria está ganhando muito dinheiro, enquanto uma grande maioria fica minguando com pouco. E claro, você não pode ter apenas um instrumento no palco, você tem que
ter pelo menos dois, para caso aconteça algum problema você esteja preparado, no
meu caso é multiplicado por oito. Além de ser um mercado muito espremido, onde
os donos das bandas muitas vezes não conseguem pagar para um técnico fazer a
regulagem dos instrumentos, o que dificulta mais ainda. Mas não podemos
esquecer que as pessoas que estão nesse meio amam o que fazem mesmo passando
por tantas dificuldades assim, muitas vezes elas sofrem para estar ali, para
simplesmente poder fazer o que amam. Como não é uma profissão de carteira
assinada, o músico muitas vezes acaba ficando sem algo que os ampare, como nos
outros empregos onde a pessoa e demitida e ela recebe seguro-desemprego, no
caso dos músicos isso não acontece, ou seja, ele é um autônomo. Mas também
existem muitas bandas que não estão ligadas a gravadoras que também conseguem
se manter bem no meio artístico, com isso as gravadoras acabam vendo o sucesso
e o potencial do grupo e fecham um contrato com a banda, cuidando de várias
coisas relacionadas aos artistas. No mundo atual a internet transmite a
informação muito mais rápido, com isso o artista acaba sendo divulgado de uma
forma melhor, claro tudo isso agregado a um misto de talento, com sorte.
Muitas vezes o próprio artista precisa identificar o que o público está disposto a ouvir naquele momento, identificar a demanda e necessidade dentro do que você como artista está disposto a colocar no mercado. Tem muitos casos de músicos que tocam o que não gostam, até porque, eu quero ser músico, e gosto da música para profissão, mas não necessariamente vai ser a minha forma de expressão artística, é profissão, são coisas diferentes, então muitas vezes falta para o independente entender no momento o que o pessoal quer comprar. Vocês acham que o pessoal está comprando rock de verdade hoje? Querem ouvir qualquer outra música, menos o bom e velho rock n' roll. Isso é um nicho, mas mesmo dentro do nicho a característica das pessoas hoje pode mudar de repente, é o retorno as raízes, então a maior parte dos músicos gostam mais das músicas antigas. As pessoas estão nessa relação de resgate ao original, da época em que você viveu algumas coisas, então, é muito mais emoção do que a música em si. A gente não está disposto a ouvir os trabalhos novos dos antigos artistas, então quando você toca em algum lugar com uma banda cover, como a Hard Top 67, Trinity Gun e a Lock me Down, que são as bandas que faço parte, as pessoas querem ouvir as músicas que elas conhecem, não uma música do Bon Jovi do último disco, por conta disso novos materiais não são assimilados, não importa como está o trabalho, e essa relação é que acaba segurando também um pouco os artistas independentes, o que o pessoal está disposto a ouvir hoje também é uma coisa importante, nem sempre essa galera entende, até porque, não tem uma formação para músico independente, você aprende a teoria musical, mas nem sempre sobre o mercado musical.
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(Facebook. Carlos Zardo Jr. Bass)
A minha história com a música é bem
interessante, já que não foi o tipo de estímulo
que tive em casa, mas minha mãe sempre ouviu muita música, ela tinha bastante
disco de vinil e umas fitas k7, e gostava de ouvir Erasmo Carlos e Roberto
Carlos, era o que eu entendia o que era a relação musical. Até que um dia,
achei na minha casa um vinil, nós tínhamos acabado de nos mudar de São Paulo
para o interior, o meu pai foi transferido para o tiro de guerra, e não sei por
que uns discos misturados, que não eram dos meus pais, talvez do meu tio,
estavam lá, e alguns tinham uns carimbos escrito “amostra invendável”, ou seja,
ele ganhou em algum lugar, não foi comprado.
Eu levantei um disco no meio, que era de coletânea, daquelas de vários
artistas, como o Michael Jackson, Eddie Van Halen, e lá tinha uma música do
Michael mais Disco Music, que era rock review, tinha Pink Floyd, Another Brick
in the Wall, The Police, e umas coisas
diferentes. E um outro disco que achei, era do Judas Priest, o álbum British
Steel que tinha a “Breaking the Law”, aquele com uma mão segurando uma gilete,
ele me colocou no Heavy Metal, foi passagem direto e nunca mais voltei, coloque
a música mais famosa deles, eu moleque com 8 anos, pensei “nossa, que coisa
radical o que será que tem aqui?” Quando eu coloquei agulha na vitrola, cara,
minha vida mudou, outro mundo se abriu, unicórnios passaram voando, aquela
coisa louca, né? E quando eu era criança brincava de banda, de juntar caixa de
papelão com lápis de cor para brincar de bater nas coisas, guitarra de papelão,
quantas eu fiz. Eu sempre tive essa vontade, mas quando eu era criança isso
parecia meio distante, nos anos 80, nossas referencias eram mais pela
televisão, como por exemplo, o programa do Chacrinha, eu chego a brincar, quem sobreviveu
aos anos 80 criou coro no lombo.
Eu me lembro que tinham os Titãs, eles iam no programa do Chacrinha, e era uma coisa louca, eu pensava, “mas como será que é ter uma banda?” Para mim, ainda criança, era algo muito distante, porém era uma coisa que virou um sonho e ficou na minha cabeça. Essa coisa de subir no palco com várias pessoas te encarando, sendo que eu sou muito tímido, muito introspectivo, eu tinha vergonha de qualquer coisa, até quando eu era pequeno, e tinham aquelas apresentações da escola, tentava fugir de todo jeito, apenas fazia por que era necessário. Em pensar que hoje uma das coisas que mais me diverte, é subir em um palco e tocar. Em relação a timidez tenho algo para dizer para vocês, hoje depois de muito tempo subindo em um palco, eu fico mais tranquilo, e claro que nas três primeiras músicas a minha perna esquerda fica tremendo um pouco, mas é claro que, um pouco de nervosismo e tensão é completamente normal, sendo que tem a troca de energia com a galera, o que faz ficar um pouco mais tranquilo. Eu já estou acostumado, mas também acho que aquele friozinho na barriga seja necessário, para te induzir a sempre fazer um bom trabalho, dando o seu melhor em cada show, não apenas fazendo por fazer, como se fosse só mais um. Eu não quis ser um cantor solo, eu queria fazer parte de grupos que fazem coisas muito legais, eu gosto da troca com as pessoas, da criação multi e trans disciplinar, gosto de gente que traga outra visão para o contexto, se eu quiser tocar sozinho faço isso dentro do meu quarto, igual fazia quando era garoto, mas eu não quero isso, quero estar com gente, o que é meio estranho para uma pessoa introspectiva, mas é o que eu gosto.
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(Facebook. Carlos Zardo Jr. Bass)
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Agora, está tudo muito confuso e mais complicado, esse momento fica difícil para bandas Independentes também, assim quando há muito estímulo acontecendo o público tende a assimilar menos esses estímulos, então tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. E aí você não consegue espaço, então às vezes também há dias que não é uma boa hora de lançar determinado trabalho, e entender a oportunidade de outro. Muitos músicos tomaram um tropeção incrível neste momento que estamos vivendo, alguns por sorte conseguiram arranjar empregos em áreas paralelas para conseguir se manter durante a pandemia, algo que pudesse incrementar na renda da família, mas em alguns casos a esposa trabalha, e acabou segurando a onda. Alguns fizeram lives para tentar arrecadar algum dinheiro, mas também vale lembrar aquilo que eu disse anteriormente, tudo depende da construção de público que este artista tem, para que assim possa gerar mais renda. Bandas ou músicos individuais tem adotado essa nova ferramenta para conseguir se manter. A tecnologia permitiu que muitos músicos continuassem tendo contato com o seu público, mas também vale lembrar que muitos artistas deram uma sumida neste momento, outros provavelmente desistiram desse meio, como também várias outras pessoas deixaram seus sonhos de lado por conta da pandemia.
Minha experiencia durante a pandemia foi
legal, durante esse período criamos um projeto da Lock Me Down, que espero que
continue após tudo isso terminar. Um amigo meu sugeriu para gravarmos uma
música, e assim um foi se comunicando com o outro perguntando quem tinham os
instrumentos necessários para a gravação, e então surgiu nossa composição, foi
uma surpresa imensa para nós, por que de início era apenas algo que criamos
para nos distrair de tudo o que anda acontecendo no mundo, mas depois acabamos
vendo que deu super certo e gravamos o 1,2,3 e por aí vai, já estamos com 14, e
com previsões para o 23, sendo que a música é como um elemento terapêutico, uma
forma de manter a sanidade nessa quarentena. Pra mim foi ótimo, nós conseguimos
crescer muito neste período, mas para muitas bandas acabou sendo o fim, muitos
deles brigaram, causando uma separação, o que teoricamente fez com que eles
fossem procurar outros meios de sobreviver, como venda de artigos na internet,
entre outros meios."